Me lembra muito o documentário “A pessoa é para o que nasce”, do diretor brasileiro Roberto Berliner, que retrata a vida de três irmãs cegas que desde jovens cantavam nas ruas da cidade de Campina Grande para ganhar a vida. A arte delas virou uma ferramenta para enfrentar, com beleza, as adversidades da vida.
Definitivamente, a gente nasce para aquilo que é. Mesmo que não seja a nossa atividade econômica principal, é com certeza a atividade de onde tiramos forças todos os dias para seguir em frente, para fazer a vida ser possível, para que nossa obra nos dê orgulho, ainda que nos nossos “shows” só estejam presentes os nossos familiares e amigos. E nem precisa através da música… pois eu conheço pessoas anônimas que fazem bolos e doces com tanto talento que deixam de aceitar encomendas porque não têm tempo, mas nos encontros com amigos e família acontecem sempre sob a expectativa: “Você vai trazer um bolo, né?”
Lembro de uma costureira da minha cidade natal, Niterói, chamada Sônia. Eu costumava levar algumas roupas para ela ajustar… e uma vez, enquanto esperava ela terminar seu trabalho impecável e me servia uma xícara de café, perguntei:
— Como você consegue fazer tudo com tanta perfeição?
— Alan, eu acho que felizmente não tive outra escolha na vida. Desde pequena, todas as minhas bonecas usavam roupas feitas por mim, e nas calças eu colocava zíper de verdade e fazia até a bainha.
Um detalhe: além de costureira, Sônia trabalhava como segurança uniformizada na câmara dos vereadores da cidade. Mas sua verdadeira arte estava em casa, onde transformou seu lar em ateliê.
Essa é a beleza de viver: encontrar algo que te dê orgulho, prazer e uma euforia íntima que nenhum idiota pode tirar de você. E, de verdade… você não precisa ser uma unanimidade nem o melhor do mundo para “ser” algo. Também não precisa provar que merece um Oscar para sentir orgulho do que faz. Eu sempre gosto de lembrar da queridíssima Florence Foster Jenkins. Uma soprano lírica americana que nunca desistiu de si mesma nem da sua arte. Que forma nobre de viver!
Dizem que, no seu último concerto, no lendário Carnegie Hall, a fila era enorme quando a bilheteria abriu, e os últimos ingressos foram disputados aos tapas. Dizem também que celebridades como Cole Porter estavam sempre na plateia de seus shows. E riram? Infelizmente acho que sim. Mas com certeza, a Sra. Foster era a única pessoa presente naquela noite, naquele teatro, que era verdadeiramente livre. Sem as decadentes algemas das convenções sociais.
O segredo desses sucessos? Este escritor acredita que não existe fórmula definitiva, mas sim experiências que podem nos guiar no caminho para dar início a nossa própria jornada, como fez o lendário poeta brasileiro Mario Quintana ao publicar o poema “Poeminho do Contra” como resposta à rejeição da Academia Brasileira de Letras: